quinta-feira, 29 de julho de 2004

Frase do dia (ou melhor, de antontem, como se diria aqui no sul, surgida numa conversa):

"O fato de não esquecer alguma coisa não significa que você precisa lembrar dela o tempo todo".
Sim, era sobre coisas desagradáveis que acontecem com a gente, sobre como precisamos deixar todas elas bem guardadas no fundo do baú pra só utilizar quando realmente for necessário, e não ficar trazendo elas à tona o tempo todo! E também não esquecê-las a ponto de estar desprevenido para quando elas acontecerem.

Filosófico demais, né?

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A semana foi só de trabalho. Descobri que sou capaz de assimilar muita informação em períodos curtíssimos de tempo, e de criar coisas em cima do que aprendi: reforça o "nada se cria do nada" (ou nada se cria, tudo se copia). E como arquitetura tem disso!

No mais, sem muita novidade pra contar!

Ah, sim, uma experiência única, antes: pequenos gestos são capazes de gerar sentimentos incontroláveis. Alguém ai sabe do que estou falando?

Espero que sim, a vida é bela!

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Um pouco de ócio: Estou lendo o novo livro do LFV (pro menos íntimo, Luís Fernando Veríssimo), "O melhor das comédias da vida privada", e cada vez mais reforço o gosto pelo autor. Ele é brilhante.

Segue uma crônica, das melhores, pra deixar vocês com vontade. Acho que dispensa maiores comentários!:

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Lixo

Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam.
- Bom-dia.
- Bom-dia.
-A senhora é do 610.
-E o senhor do 612.
-É...
-Eu ainda não o conhecia pessoalmente
-Pois é...
-Desculpe minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...
-O meu o quê?
-O seu lixo.
-Ah...
-Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...
-Na verdade sou só eu.
-Mmmmm. Notei também que o senhor usa muita comida em lata.
-É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...
-Entendo.
-A senhora também...
-Me chame de você.
-Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo, Champignons, coisas assim...
-É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas como moro sozinha, às vezes sobra...
-A senhora... Você não tem família?
-Tenho, mas não aqui.
-No Espírito Santo.
-Como é que você sabe?
-Vejo uns envelopes no seu lixo, Do Espírito Santo.
-É. Mamãe escreve todas as semanas.
-Ela é professora?
-Isso é incrível. Como foi que você adivinhou?
-Pela letra do envelope. Achei que era letra de professora.
-O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
-Pois é...
-No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.
-É.
-Más noticias?
-Meu pai. Morreu.
-Sinto muito.
-Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos que não nos víamos.
-Foi por isso que você recomeçou a fumar?
-Como é que você sabe?
-De um dia pro outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
-É verdade, mas consegui parar outra vez.
-Eu, graça a Deus, nunca fumei.
-Eu sei, mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo.
-Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou.
-Você brigou com o namorado, certo?
-Isso você também descobriu no lixo?
-Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel.
-É, chorei bastante. Mas já passou.
-Mas hoje ainda tem uns lencinhos.
-É que estou com um pouco de coriza.
-Ah.
-Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
-Namorada?
-Não.
-Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
-Eu estava limpando as gavetas. Coisa antiga.
-Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
-Você já está analisando meu lixo!
-Não posso negar que seu lixo me interessou.
-Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia.
-Não! Você viu meus poemas?
-Vi e gostei muito.
-Mas são muito ruins!
-Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.
-Se eu soubesse que você ia ler...
-Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
-Acho que não, lixo é domínio público.
-Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra de nossa privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É nossa parte mais social. Será isso?
-Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...
-Ontem, no seu lixo...
-O quê?
-Me enganei, ou eram cascas de camarão?
-Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.
-Eu adoro camarão.
-Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode...
-Jantar juntos?
-É...
-Não quero dar trabalho.
-Trabalho nenhum.
-Vai sujar sua cozinha.
-Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.
-No seu lixo ou no meu?

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Comments:
* RÊ - as perspectivas estão lá, brigadão.
*Tiago - e ai, você vem pra cá ou não no final de semana?
*Aninha - Pilsen, você por aqui? Legal =)  A foto eu preciso colocar na net antes, hehe, sou muito tosco com essas coisas de web, mas vou tentar!
* Rejane - Oi Rê. O tempo anda estranho, mas eu gosto desse clima de meia estação, nem frio demais, nem calor insuportável!

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