segunda-feira, 24 de outubro de 2005

E se...

Outro dia - lendo o blog da Renata - me deparei com um post chamado "E SE", que trazia a música homônima (Francis Hime / Chico Buarque), e fiquei refletindo a respeito de quanto as tais palavrinhas também atrapalhavam a minha vida.

Pozeh, acho que encontrei a resposta pra elas.

E se tudo der errado, então eu recomeço.

Vou apostar algumas (quase todas) fichas em uma jogada grande.
pela primeira vez estou mais confiante e destemido do que nunca.
Não que seja um passo tão grande, mas é como saltar de uma pedra firme para uma que eu jamais estive, e que pode tanto afundar como ser extremamente escorregadia.

Mas qual seria a graça da vida senão o risco e a aventura de vivê-la?

Abraço e boa semana!

terça-feira, 18 de outubro de 2005

felicidade

Há tempos eu queria falar sobre a estranha necessidade que o mundo moderno impõe às pessoas de que sejam felizes e bem sucedidas sempre.

Há algumas semanas eu mesmo estava sofrendo uma crise (e talvez ainda não tenha me recuperado por completo) depressiva por causa disso.
Me sentia um fracassado por ainda não ter resultados palpáveis de todas as coisas que investi tanto ao longos desses meus últimos anos de vida, principalmente no campo financeiro e profissional, e isso - além de desmotivar - piorava as perspectivas pro futuro.

Mas superei.
Tive o incrível raciocínio (ou talvez o entendimento de um ditado que anda solto por ai) de que não tinha essa necessidade de ser feliz "all the time", que precisava escolher algumas prioridades e metas pra minha vida e, principalmente, que devia esquecer o resto de exigências do mundo e não dar mais bola.

É interessante ser (ou ter momentos) infeliz(es).
Faz parte do contraste, é o simples fato de que é preciso ter a infelicidade pr se saber medir a felicidade.

Mas enfim, sem mais delongas, vou publicar aqui uma entevista com o Roberto Shinyashiki feita pela Isto É (e encaminhada pro meu e-mail pelo Iuri), sobre seu livro Heróis de verdade, onde "o escritor combate a supervalorização da aparência e diz que falta ao Brasil competência, e não auto-estima", por falar, mais ou menos, tudo que eu queria dizer.

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por Camilo Vannuchi

Observador contumaz das manias humanas, Roberto Shinyashiki está cansado dos
jogos de aparência que tomaram conta das corporações e das famílias. Nas
entrevistas de emprego, por exemplo, os candidatos repetem o que imaginam
que deve ser dito. Num teatro constante, são todos felizes, motivados,
corretos, embora muitas vezes pequem na competência. Dizem-se
perfeccionistas: ninguém comete falhas, ninguém erra. Como Álvaro de Campos
(heterônimo de Fernando Pessoa) em Poema em linha reta, o psiquiatra não
compartilha da síndrome de super-heróis. "Nunca conheci quem tivesse levado
porrada na vida (...) Toda a gente que eu conheço e que fala comigo nunca
teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão príncipe",
dizem os versos que o inspiraram a escrever Heróis de verdade (Editora
Gente, 168 págs., R$ 25). Farto de semideuses, Roberto Shinyashiki faz soar
seu alerta por uma mudança de atitude. "O mundo precisa de pessoas mais
simples e verdadeiras."

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Quem são os heróis de verdade?
Nossa sociedade ensina que, para ser uma pessoa de
sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter carro importado,
viajar de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas deram certo.
Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares de
funcionários que não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são tratadas
como uma multidão de fracassados. Quando olha para a própria vida, a maioria
se convence de que não valeu a pena porque não conseguiu ter o carro nem a
casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da moça que trabalha na
minha casa possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa de pessoas mais simples
e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que trabalham para realizar
seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que
sabem pedir desculpas e admitir que erraram.

O sr. citaria exemplos?
Dona Zilda Arns, que não vai a determinados programas de tevê
nem aparece de Cartier, mas está salvando milhões de pessoas. Quando eu
nasci, minha mãe era empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete anos,
empregado em uma farmácia. Morávamos em um bairro miserável em São Vicente
(SP) chamado Vila Margarida. Eles são meus heróis. Conseguiram criar seus
quatro filhos, que hoje estão bem. Acho lindo quando o Cafu põe uma camisa
em que está escrito "100% Jardim Irene". É pena que a maior parte das
pessoas esconda suas raízes. O resultado é um mundo vítima da depressão,
doença que acomete hoje 10% da população americana. Em países como Japão,
Suécia e Noruega, há mais suicídio do que homicídio. Por que tanta gente se
mata? Parte da culpa está na depressão das aparências, que acomete a mulher
que, embora não ame mais o marido, mantém o casamento, ou o homem que passa
décadas em um emprego que não o faz se sentir realizado, mas o faz se sentir
seguro.

Qual o resultado disso?
Paranóia e depressão cada vez mais precoces. O pai quer
preparar o filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês,
informática e mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão aparece. A única
coisa que prepara uma criança para o futuro é ela poder ser criança. Com a
desculpa de prepará-los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando a
infância dos filhos. Essas crianças serão adultos inseguros e terão
discursos hipócritas. Aliás, a hipocrisia já predomina no mundo corporativo.

Por quê?
O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar
pelo processo de recrutamento. É contratado o sujeito com mais marketing
pessoal. As corporações valorizam mais a auto-estima do que a competência.
Sou presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça que respondia todas
as minhas perguntas com uma ou duas palavras. Disse que ela não parecia
demonstrar interesse. Ela me respondeu estar muito interessada, mas, como
falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho dela, e não a conversa. Até
porque ela era candidata a um emprego na contabilidade, e não de relações
públicas. Contratei na hora. Num processo clássico de seleção, ela não
passaria da primeira etapa.

Há um script estabelecido?
Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um presidente de
multinacional no programa O aprendiz? "Qual é seu defeito?" Todos respondem
que o defeito é não pensar na vida pessoal: "Eu mergulho de cabeça na
empresa. Preciso aprender a relaxar." É exatamente o que o chefe quer
escutar. Por que você acha que nunca alguém respondeu ser desorganizado ou
esquecido? É contratado quem é bom em conversar, em fingir. Da mesma forma,
na maioria das vezes, são promovidos aqueles que fazem o jogo do poder. O
vice-presidente de uma das maiores empresas do planeta me disse: "Sabe,
Roberto, ninguém chega à vice-presidência sem mentir." Isso significa que
quem fala a verdade não chega a diretor?

Temos um modelo de gestão que premia pessoas mal preparadas?
Ele cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade de se
preparar, que não têm capacidade de ler um livro até o fim e não se
preocupam com o conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação, mas o
maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros motivados. Há
muita gente motivada fazendo besteira. Não adianta você assumir uma função
para a qual não está preparado. Fui cirurgião e me orgulho de nunca um
paciente ter morrido na minha mão. Mas tenho a humildade de reconhecer que
isso nunca aconteceu graças a meus chefes, que foram sábios em não me dar um
caso para o qual eu não estava preparado. Hoje, o garoto sai da faculdade
achando que sabe fazer uma neurocirurgia. O Brasil se tornou incompetente e
não acordou para isso.

Está sobrando auto-estima?
Falta às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu preciso que
os outros digam que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o ter
conseguia substituir o ser. O cara mal-educado dava uma gorjeta alta para
conquistar o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas não conseguem nem ser
nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer. As pessoas parece que sabem,
parece que fazem, parece que acreditam. E poucos são humildes para confessar
que não sabem. Há muitas mulheres solitárias no Brasil que preferem dizer
que é melhor assim. Embora a auto-estima esteja baixa, fazem pose de que
está tudo bem.

Por que nos deixamos levar por essa necessidade de sermos perfeitos
em tudo e de valorizar a aparência?
Isso vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando
os heróis. Quem vai salvar o Brasil? O Lula. Quem vai salvar o time? O
técnico. Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta. O problema é que eles
não vão salvar nada! Tive um professor de filosofia que dizia: "Quando você
quiser entender a essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth com uma
crise de diarréia durante um jantar no Palácio de Buckingham." Pode parecer
incrível, mas a rainha Elizabeth também tem diarréia. Ela certamente já teve
dor de dente, já chorou de tristeza, já fez coisas que não deram certo. A
gente tem de parar de procurar super-heróis. Porque se o super-herói não
segura a onda, todo mundo o considera um fracassado.

O conceito muda quando a expectativa não se comprova?
Exatamente. A gente não é super-herói nem superfracassado. A
gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada de
errado nisso. Hoje, as pessoas estão questionando o Lula em parte porque
acreditavam que ele fosse mudar suas vidas e se decepcionaram. A crise será
positiva se elas entenderem que a responsabilidade pela própria vida é
delas.

É comum colocar a culpa nos outros?
Sim. Há uma tendência a reclamar, dar desculpas e acusar
alguém. Eu vejo as pessoas escondendo suas humanidades. Todas as empresas
definem uma meta de crescimento no começo do ano. O presidente estabelece
que a meta é crescer 15%, mas, se perguntar a ele em que está baseada essa
expectativa, ele não vai saber responder. Ele estabelece um valor
aleatoriamente, os diretores fingem que é factível e os vendedores já partem
do princípio de que a meta não será cumprida e passam a buscar explicações
para, no final do ano, justificar. A maioria das metas estabelecidas no
Brasil não leva em conta a evolução do setor. É uma chutação total.

Muitas pessoas acham que é fácil para o Roberto Shinyashiki dizer
essas coisas, já que ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?

Tenho minhas angústias e inseguranças. Mas aceitá-las faz
minha vida fluir facilmente. Há várias coisas que eu queria e não consegui.
Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles (risos). Meu filho mais velho
nasceu com uma doença cerebral e hoje tem 25 anos. Com uma criança especial,
eu aprendi que ou eu a amo do jeito que ela é ou vou massacrá-la o resto da
vida para ser o filho que eu gostaria que fosse. Quando olho para trás, vejo
que 60% das coisas que fiz deram certo. O resto foram apostas e erros. Dia
desses apostei na edição de um livro que não deu certo. Um amigão me
perguntou: "Quem decidiu publicar esse livro?" Eu respondi que tinha sido
eu. O erro foi meu. Não preciso mentir.

Como as pessoas podem se livrar dessa tirania da aparência?
O primeiro passo é pensar nas coisas que fazem as pessoas
cederem a essa tirania e tentar evitá-las. São três fraquezas. A primeira é
precisar de aplauso, a segunda é precisar se sentir amada e a terceira é
buscar segurança. Os Beatles foram recusados por gravadoras e nem por isso
desistiram. Hoje, o erro das escolas de música é definir o estilo do aluno.
Elas ensinam a tocar como o Steve Vai, o B. B. King ou o Keith Richards. Os
MBAs têm o mesmo problema: ensinam os alunos a serem covers do Bill Gates. O
que as escolas deveriam fazer é ajudar o aluno a desenvolver suas próprias
potencialidades.

"O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta.
É contratado o sujeito com mais marketing pessoal"

Muitas pessoas têm buscado sonhos que não são seus?
A sociedade quer definir o que é certo. São quatro loucuras da
sociedade. A primeira é instituir que todos têm de ter sucesso, como se ele
não tivesse significados individuais. A segunda loucura é: "Você tem de
estar feliz todos os dias." A terceira é: "Você tem que comprar tudo o que
puder." O resultado é esse consumismo absurdo. Por fim, a quarta loucura:
"Você tem de fazer as coisas do jeito certo." Jeito certo não existe. Não há
um caminho único para se fazer as coisas. As metas são interessantes para o
sucesso, mas não para a felicidade. Felicidade não é uma meta, mas um estado
de espírito. Tem gente que diz que não será feliz enquanto não casar,
enquanto outros se dizem infelizes justamente por causa do casamento. Você
precisa ser feliz tomando sorvete, levando os filhos para brincar.

O sr. visita mestres na Índia com freqüência. Há alguma parábola que
o sr. aprendeu com eles que o ajude a agir?

Quando era recém-formado em São Paulo, trabalhei em um
hospital de pacientes terminais. Todos os dias morriam nove ou dez
pacientes. Eu sempre procurei conversar com eles na hora da morte. A maior
parte pega o médico pela camisa e diz: "Doutor, não me deixe morrer. Eu me
sacrifiquei a vida inteira, agora eu quero ser feliz." Eu sentia uma dor
enorme por não poder fazer nada. Ali eu aprendi que a felicidade é feita de
coisas pequenas. Ninguém na hora da morte diz se arrepender por não ter
aplicado o dinheiro em imóveis. Uma história que aprendi na Índia me ensinou
muito. O sujeito fugia de um urso e caiu em um barranco. Conseguiu se
pendurar em algumas raízes. O urso tentava pegá-lo. Embaixo, onças pulavam
para agarrar seu pé. No maior sufoco, o sujeito olha para o lado e vê um
arbusto com um morango. Ele pega o morango, admira sua beleza e o saboreia.
Cada vez mais nós temos ursos e onças à nossa volta. Mas é preciso comer os
morangos

terça-feira, 11 de outubro de 2005

Labirintos

por Luís Fernando Veríssimo

O que é um labirinto?
Um labirinto é o caminho mais rápido entre o ponto A e o ponto B para quem queria ir para o ponto C.
Como se constrói um labirinto?
De preferência, de dentro para fora.
Quem inventou o labirinto?
Não se sabe o seu nome. O conceito de corredor não existia na arquitetura antiga. Nas habitações e nos prédios públicos uma peça dava na outra, ou todas se juntavam e davam num átrio central. Foi então que, numa remota região da Mesopotâmia, um arquiteto inventou o corredor. Mas como não tinha o conceito de peças, fazia casas só de corredores que se cruzavam e recruzavam, nas quais as pessoas entravam e nunca mais saíam, e que certamente estão nas origens do labirinto moderno. Impossibilitadas de ter qualquer contato social, ou mesmo de buscar mantimentos, as famílias que ocupavam estas casas acabaram extintas, levando com elas para o esquecimento o nome do arquiteto.
Como começou a mania dos nobres ingleses de terem um labirinto na sua propriedade rural?
Lord Auberon Bores-Easily, a quem se atribui a invenção do muxoxo, perdeu a paciência com a placidez e a previsibilidade das suas terras em Sussex e, reunindo engenheiros e jardineiros num trecho do seu gramado, decretou: "Quero uma complicação aqui". O próprio lorde desapareceu durante uma inspeção das obras e nunca mais foi visto.
Para que serve um labirinto?
Para você matar o tempo, e vice-versa. Para você exercer plenamente o seu direito de ir e vir, ir e vir, ir e vir. Para você saber o que é mudar de orientação, voltar atrás, rever posições, escolher novos caminhos, repetir os mesmos erros e perder a compostura sem precisar entrar na política. Para você passear com aquela pessoa especial com quem decidiu que quer passar o resto da sua vida. Para cronistas que precisam fazer muito material adiantado poderem escrever sobre um assunto sem qualquer atualidade ou utilidade, mas com várias partes. Para nada.
Como entrar num labirinto?
Pela entrada. Mas cuidado, pode ser a saída disfarçada.
Como reconhecer a saída de um labirinto do lado de fora?
Se não tiver ninguém saindo, é a saída.
Como sair de um labirinto?
Depende. Onde você está?
Num corredor estreito com paredes altas e brancas de cada lado.
Algum grafito nas paredes?
Tem. "Mané esteve aqui." Depois, "Mané esteve aqui de novo." Depois, "Meu Deus é a terceira vez que eu passo por aqui." Assinado... a lata de spray está na mão de uma caveira!
É o Mané... Algum outro grafito?
Sim. "Penso que estive aqui". Assinado Jorge Luiz Borges.
Finja que não viu esse.
Como é que eu saio deste labirinto?!
Calma. Na verdade, a sua situação é invejável. Você tem sempre só duas escolhas, o que raramente acontece com quem não está num labirinto. Você só pode ir para um lado ou para o outro. Sempre tem cinqüenta por cento de chance de fazer a escolha certa.
Não existe nenhuma maneira cem por cento certa de me livrar deste labirinto?
Existe, mas você devia ter tomado uma providência antes de entrar.
Qual?
Não entrar.
Espere! Acabo de encontrar uma planta do labirinto na parede com uma seta apontando um lugar!
O que diz a seta?
"Você não está aqui"...
Típico humor de labirinto. Se enxergar uma porta com os dizeres "Saída de Emergência", não entre.
Por quê?
É um cemitério.
Atenção! Encontrei uma caixa presa na parede com os dizeres "Se você está perdido, quebre o vidro". Estou quebrando o vidro!
O que tem dentro da caixa?
Calmante.
Talvez o exemplo de outras pessoas que tiveram experiências em labirintos me ajude a sair deste.
Bem, existem algumas parábolas. Como a do Esbanjador, do Avaro e da galinha.
Como é?
O Esbanjador entrou no labirinto e, para não perder o caminho de volta, foi deixando moedas de ouro atrás de si. Depois era só ir catando as moedas do chão que voltaria à liberdade. O Esbanjador chegou no centro do labirinto, examinou tudo, e estava se preparando para voltar quando deu de cara com o Avaro, que chegava botando a última moeda de ouro na algibeira. O Avaro tinha passado pela entrada do labirinto, visto as moedas enfileiradas, e não resistira. Saíra a catá-las, labirinto adentro. "Seu imbecil!", gritou o Esbanjador. "E agora, como vamos encontrar o caminho de volta?". "Sou avaro mas não sou burro", disse o Avaro. "No lugar de cada moeda, deixei um grão de milho. É só ir catando os grãos de milho do chão que voltaremos à liberdade."
E aí?
Aí entrou a galinha. Ela tinha passado pela entrada do labirinto, visto os grãos de milho enfileirados, e...
Não sei como essa parábola pode me ajudar a sair daqui.
É o problema com as parábolas. Elas dão lições valiosas, mas de uma forma que ninguém entende. Acho que esta tem a ver com os diferentes tipos de compulsão, e a perdição a que nos levam. A galinha tinha a compulsão de viver, o Avaro a de juntar dinheiro, e o Esbanjador a pior compulsão de todas.
A de esbanjar?
A de entrar em labirintos.”

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É, a mente desse escritor é um labirinto de idéias e palavras.
Adorei a crônica.
Retirada de "o suicida e o computador"
Gentilmente emprestado pela Mariana para esse que vos tecla.

Ótimo feriado!

sexta-feira, 7 de outubro de 2005

Martha Medeiros

Não que falte inspiração ou qualquer outra coisa (ando com muitas idéias pra escrever, apesar do pouco tempo), mas li essa coluna no domingo (quando estava na serra longe de qualquer computador) e fiquei com ela na cabeça: é da Mestra Martha Medeiros, e como concordo com cada palavra desse artigo, fica ai pra quem perdeu...


Beleza e inteligência

A capa da última edição da Revista da MTV traz a pergunta: Você abriria mão da sua inteligência para ser mais bonito? Li a reportagem com a esperança de encontrar uma resposta óbvia, mas nossos óbvios nunca batem com os dos outros. O óbvio que encontrei foi que, dos 2.359 brasileiros entre 15 e 30 anos pesquisados pelo Dossiê Universo Jovem, cerca de 60% responderam que pessoas bonitas têm mais oportunidades na vida, e, portanto, sim, topariam ficar um pouco mais burros se em troca ficassem um pouco mais belos.


Esta é uma obviedade que, em tese, se justifica: aparência conta muito no jogo da sedução e na conquista de um emprego. Todos tratam melhor os magros e lindos. Na escola, te imitam. Nas festas, te cercam. Nada mal. Marcia Tiburi, durante o programa Saia justa, disse para Luana Piovani que ela havia sido bem tratada pelo mundo em função da beleza, mas que a vida não é assim tão fácil para quem não nasce com tais atributos. Foi extremamente sincera, mesmo que a outra não tenha ficado muito feliz com a observação. Luanas enfrentam menos percalços do que as não tão formosas, porém tão talentosas quanto. Não é demérito ser bonita, não é pecado, ao contrário, é uma glória, uma bênção, e beleza e inteligência podem muito bem conviver em paz no mesmo corpo, há vários exemplos de gente linda e sabida. Mas tendo que optar entre uma coisa e outra, alto lá, melhor pensar direitinho.

A minha resposta óbvia à enquete seria: toda pessoa inteligente é bonita, não importa seu aspecto físico. Logo, não tem cabimento trocar neurônios por olhos azuis. É rara uma pessoa inteligente que não seja cativante. Por outro lado, conheço vários belos que só provocam bocejos. Há mais de 20 anos, quando ainda era publicitária, acompanhei a gravação de um comercial de tevê interpretado por um deus grego, o homem mais estonteante que havia visto. No final da gravação, ele me pediu carona. Eu, longe de ser uma Luana e desacostumada com estas generosidades cósmicas, vibrei. Sabia que o rapaz morava num bairro distante, mas estava disposta a levá-lo até Pernambuco, se ele pedisse. Em três minutos de conversa dentro do carro, eu queria cortar os pulsos. Inventei um mal súbito, aleguei falta de combustível, sei lá, não lembro, só sei que acabei deixando-o num ponto de táxi e fui pra casa dormir.

Burrice é pior que um nariz torto, é pior que cabelo ruim, é a pior das cicatrizes. Inteligência, por sua vez, torna qualquer pessoa iluminada. Qualquer uma. Faça uma lista dos seres humanos que você mais admira: a maioria não é linda, se analisadas apenas pelo padrão estético. Mas, sendo inteligentes, ninguém lhes tira o carisma. Só não percebem isso aqueles que, não tendo mesmo muita massa cinzenta, topam a troca.


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Bom final de semana a todos.

terça-feira, 4 de outubro de 2005

Na Terra de Deus e do Homem

"O que está em jogo numa cultura em que a mulher aprende desde cedo que sexo é motivo de vergonha? O que se esconde por detrás de uma sociedade em que a Aids cresce assustadoramente na placidez idealizada de famílias tradicionais? O que se pensar de uma realidade na qual fábricas controlam o ciclo menstrual de suas empregadas e demitem as que estão grávidas? O que dizer de sociedades que aprovam o estupro de mulheres que não são mais virgens? Num texto veemente e polêmico, a premiada jornalista Silvana Paternostro explora essas questões, rompendo o tenso silêncio que envolve a cultura sexual na América Latina.

Enfocando uma realidade assustadoramente atual, Paternostro apresenta neste livro que combina cuidadosa pesquisa sociológica a suas próprias vivências pessoais, o incômodo retrato de uma sociedade que está pagando um preço alto pela própria ignorância e hipocrisia. E mostra ainda - a partir do relato de vários casos verídicos colhidos durante as suas viagens pelo continente - como nenhuma dessas situações é independente, como elas estão interligadas à natureza de nossa cultura, nosso governo e nossa religião. "

Lendo essas notas de orelha do livro, dá pra ter uma idéia do assunto que Silvana, essa jornalista colombiana que viajou o mundo e conheceu a realidade (principalmente das mulheres) de toda a América Latina, enfoca ao longo das mais de 400 páginas bem escritas que misturam texto jornalistico com reflexões pessoais (e muito inteligentes) de tudo que é abordado.

"O livro tenta esclarecer por que mais da metade dos lares pobres da América Latina são encabeçados por mães solteiras, por que as mulheres casadas estão correndo mais risco de contrair Aids do que uma prostituta, por que 80% das mulheres casadas que tiveram resultado HIV-positivo foram infectadas através do comportamento bissexual de seus maridos, por que a Igreja Católica está pondo as mulheres em risco ao proibir o uso de preservativos e a legalização do aborto."


O texto é explícido, sem papas na língua, a abordagem vai de chocante a assutadora, mas ajuda a compreender questões deixadas de lado pela sociedade e a ver melhor uma realidade disfarçada pela criação machista e religiosa que temos.

Abre a discussão falando da falta de orientação e educação sexual em toda a américa latina (e católica), da marginalização do papel da mulher (num passado recente, em parte ainda contemporâneo), de gravidez, aborto, prostituição, homosexualismo, sexo, desejo, diálogo, de autoconhecimento e comportamento humano.

Também alerta (em sua totalidade) para a importante questão da AIDS em uma época de liberação sexual disfarçada, principalmente no Brasil "ambíguo e contraditório" onde se acredita em uma "sociedade democrática e multicultural", mas que ao mesmo tempo nunca corresponde à realidade.

O mais assustador é avançar além do período de edição do livro (1998) e se deparar com a realidade atual ( principalmente) do Brasil, e com uma idéia vaga dos quadros das DSTs, principalmente a AIDS, e das estatísticas de gravidez adolescente, aborto, violência e marginalização das mulheres. É sociologia, mas do melhor tipo, porque revela a essência da cultura sexual da América Latina.