sábado, 29 de novembro de 2008

pequena pérolas [2]

*para preencher os vazios de dias muito cheios

"Amor não resiste a tudo, não. Amor é jardim. Amor enche de erva daninha. Amizade também, todas as formas de amor."

Caio Fernando Abreu - Carta a Jaqueline Cantore

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

inusitado

Hoje estou no inusitado.
Fiquei tempo demais acordado.
Fui muito longe.
Trabalhei demais.
Me separei do resto do mundo.
Dormir pouco me deixa elétrico.
Desliga certos campos da minha cabeça.
Liga outros.
É como captar estática.
E ouvir uma voz mascarada
lá de longe.

E o mais curioso:
Não sei se quero desligar.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

pequenas pérolas [1]

* pra preencher os vazios de dias muito cheios

"É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo."

Clarice Lispector - Perto do coração selvagem

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Vida

Sinto que a vida não me cabe.
ou melhor, que eu não caibo na minha vida.

Hoje revelaram-me:
Sou hiperativo
E bipolar
Apesar de estar subindo
na montanha russa das emoções
a qualquer hora vêm a decida
e a combinação é explosiva!

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

(desalmadamente)

Nada transmite melhor a nossa adequação à vida que uma gargalhada sonora e bem colocada, uma gargalhada capaz de encher um grande salão excessivamente mobilado. Rir abertamente e com a cabeça ligeiramente inclinada para trás é confiança, força de caráter (seja lá isso o que for), segurança e coragem para enfrentar as adversidades da vida. Além do mais, andam por aí alguns médicos e outros curandeiros a afirmar que rir faz imensamente bem à saúde. Isto para dizer que, se acho muito bem que as pessoas riam desalmadamente sempre que tenham motivos para o fazer, ainda acho melhor que riam (desalmadamente) quando esses motivos não existem.

.:*:.

ô verdade verdadeira...
Vamos rir pra não chorar
(tirado do agrafo)

Oscar Wilde

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

irremediável

Chegou ao edifício lembrando-se mais uma vez das tantas distrações que um único dia era capaz de representar na sua vida. Não tinha foco, não tinha um caminho definido para trilhar, e ainda que para si próprio o caminho fosse mais importante do que o destino, via todos os destinos se afastarem rápido demais. Era frustrante não chegar a lugar nenhum. Era frustrante perder-se em atalhos que encompridavam a caminhada, e por mais belos e floreados que fossem traziam um sentimento de insegurança e inutilidade que ele desconhecera até então. Um sentimento de solidão. Solitudine. Loneliness. Cansaço. Estava cansando de seguir sempre adiante e de, na verdade, avançar muito pouco. Sentia o tempo escorrer pelos dedos, e nisso estava completamente sozinho no mundo. Os amigos meneavam a cabeça, faziam olhares de compreensão, mas no fundo, nas entranhas da sua alma obscura, tinha a certeza de que o faziam apenas por simpatia. Tinha essa capacidade de conquistar a simpatia alheia, e sofria com a incapacidade dos outros de ver o mundo à sua maneira. Soubera de uma ou duas pessoas como ele, mas eram poucos, solitários, depressivos, infelizes, muitos já haviam partido deste mundo, restavam apenas recordações escritas. E isto era insuficiente para consolá-lo. Tinha vontade de gritar. Não conseguia controlar os pensamentos que vinham e iam, as vozes, as imagens. Queria dar um fim a tudo isso, mas não sabia como, não conhecia mais uma vez o caminho, a saída. Não podia levar a vida assim, ignorar tudo, rir das desgraças. Invejava as outras pessoas em sua rotina tão certa, tão justa, tão merecida. E para ele os dias passavam vazios demais, velozes demais, e todo aquele consolo de que amanhã tudo recomeçaria, amanhã o sol brilharia novamente e várias tristezas ficariam perdidas no tempo que passou, se tornava mais e mais vazio. Já estava na hora de partir. E mais uma vez olhava para trás e não conseguia ver a utilidade de sua vida. Talvez fosse prepotência achar que tinha um papel no mundo. Quanta audácia. Deixava mais uma vez o edifício pra trás. Seguia a passos largos para casa. Esses passos largos que ajudavam a cabeça a não pensar em tudo isso. O vento forte que passaria por seus cabelos, seus dedos, pela palma rígida da sua mão aberta, em riste, esperando sentir esse contato com o mundo. E talvez só assim esquecer todos os sentimentos tristes que vinha ruminando ao longo do dia. Ao longo da vida. Esquecer, mas não superar. E viver com a sensação que, salvo poucas exceções, somente nestes pequenos momentos de passos largos, musica nos ouvidos e vento no rosto, conseguia se sentir esplendidamente feliz.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

dia ruim

me sinto tão cansado agora
que o dia parece ter sido péssimo
carregado
mas nem foi assim
tão trágico
coisas boas pela manhã
no almoço
durante a tarde

então porque meu corpo dói
e a vontade me abandona?

as vezes é melhor dormir cedo
pra ter vontade de acordar.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

personagens

Idéias pipocando aqui. Vi muitas coisas ultimamente. Muitas pessoas. Muitos comportamentos. Junte a isso os livros diversos, blogs, pedaços de descrições e comentários e avisos e recados, enfim, colagens de diversas partes, e temos quase um frankestein.

Tenho vontade de voltar a escrever.

Apesar de nunca ter abandonado completamente, ainda precisaria de uma volta.

Criar alguns personagens, desenterrar histórias, tramas, dramas, complexos, dores.

Será que ainda seria capaz de dar vida, cor e realidade, a alguns esboços no papel?

bilhete de despedida

"Querido,
Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer. Você me deu muitas possibilidades de ser feliz. Você esteve presente como nenhum outro. Não creio que duas pessoas possam ser felizes convivendo com esta doença terrível. Não posso mais lutar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas, pois, sem mim, você poderá trabalhar. E você vai, eu sei. Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que depositei em você toda minha felicidade. Você sempre foi paciente comigo e incrivelmente bom. Eu queria dizer isto - todos sabem. Se alguém pudesse me salvar, este alguém seria você. Tudo se foi para mim mas o que ficará é a certeza da sua bondade. Não posso atrapalhar sua vida. Não mais. Não acredito que duas pessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós fomos.V."

Virgínia Woolf

.:*:.

Macabro, mas admirável.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

diálogos de uma tarde sonolenta [2]

f: tu és igual ao meu pai, fica implicando o tempo todo...
t: mas eu só faço isso com quem eu gosto...
f:  eu sei, por isso que nunca te bati.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Olhares

da  cor da guanabara
tristes, caídos
de ressaca

verde cristalino
das fontes paradisíacas
limpidos, ingênuos

mar azul profundo
que nos arrasta
nos afoga

cor de água marinha
quase transparentes
rasos ou não

castanhos
da cor da tempestade
numa tarde de verão

negros e fúlgidos
ternos , lijeiros
de sabiá

de âmbar
que nos aprisiona
como insetos

janelas da alma
espelhos
sempre em busca de um outro olhar.

domingo, 9 de novembro de 2008

domingo preguiçoso

mas não só o domingo a vida o raciocínio a criatividade me encontro naqueles dias em que tudo parece desenrolar em câmera lenta a própria vontade está assim inventando atalhos mais longos para evitar a chegada os sintomas são físicos mal estar tontura enxaqueca talvez seja frescura mas está aqui posso sentir o peso na têmpora talvez precise de um médico talvez vergonha na cara mas nada consegue me remover da cadeira nada consegue me fazer levantar e trabalhar e lá no fundo uma voz sussura que a segunda feira chega e nada do que eu deveria ter feito está pronto e a vida será novamente aquela corrida necessária para que seja nocaute e não desistência pois nunca me verão jogar a toalha talvez fintar alguma tontura para ganhar segundos talvez passar a madrugada em claro pra recuperar o tempo perdido pois gosto de madrugadas em claro gosto dos pensamentos embaralhados pela falta de sono gosto dos silêncios e das epifanias das horas tardias onde apenas algumas luzes da cidade estão acesas e nada é o que realmente parece

sábado, 8 de novembro de 2008

Mrs. Dalloway

"Não, agora nunca mais diria, de ninguém neste mundo, que eram isto ou aquilo. Sentia-se muito jovem, e, ao mesmo tempo, indizivelmente velha. Passava como uma navalha através de tudo; e ao mesmo tempo, ficava de fora, olhando. Tinha a perpétua sensação, enquanto olhava os carros, de estar fora, longe e sozinha no meio do mar; sempre sentira que era muito, muito perigoso viver, por um só dia que fosse."

Virgínia Wolf

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Nai

Nunca saberei.
Vejo-te agora através do vidro,
deixo palavras deitadas no livro,
venho para ti.
A noite tem um toque azulado, cínico,
passados os tetos.
Para além dos corpos. Nai?
Porque te tenho tão perto,
porque te vejo constantemente
dentro de uns olhos quaisquer?
Que descanso me trouxeste que me devora as entranhas?

Carles Torner, No Cais da Poesia II, Antologia

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

sincronicidade

E se tudo estiver realmente escrito
E o tempo for uma brincadeira de Deus
Seremos todos fantoches?

. :*: .

As vezes me sinto assim
um fantoche
como se as coisas todas
acontecessem sem depender de mim
ainda que ligadas aos meus atos
quem será que controla os fios?

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

vontade doida

ultimamente a vida anda estranhamente boa não que haja estranhamento nas coisas boas mas elas não costumam ser assim duradouras ainda mais pra alguém acostumado com uma vida montanha russa de altos e baixos e altos e baixos um após o outro então talvez eu devesse temer a altura e me preparar para a decida mas a vida anda estranhamente boa e existe a vontade de ser tudo-o-que-eu-quiser e um pouco mais

terça-feira, 4 de novembro de 2008

humildade

Quando finisce la partita, i pedoni, le torri, i cavalli, i vescovi, i due re e le due regine tutti vanno nello stesso scatolo.

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Ou numa tradução curta e livre: 

"Terminada a partida, o peão e o rei são guardados na mesma caixa."

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Devaneios

*inspirado em (ou quase integralmente transcritas de ) uma conversa com uma amiga.

Hoje sinto mais uma vez aquela velha solidão. Mas como julgar esse vazio como uma causa e não como uma conseqüência de meus atos? Fechar-me em muralhas intransponíveis não será o remédio para as dores de minha alma. Talvez me falte coragem de dizer o que sinto. Mais do que isso. Talvez me falte coragem de descobrir que na verdade não sinto. Sim, em vários momentos eu duvido que meu coração possa realmente sentir algo significativo por alguém. De fato a idéia de parecer tola e preferir a omissão não saem de minha mente, mesmo que isto não console meu coração. E aí vivo de constantes redemoinhos, vertigens, tempestades angustiantes que me consomem. Eu já vivi de sim e não várias vezes e confesso que após algum tempo tais respostas cicatrizaram as feridas. Hoje eu prefiro deixa-la aberta, dolorosa. Prefiro viver do talvez, que oscila entre a esperança da vitória e a eminente derrota. Não sei até quando serei covarde. Por outro lado nesses dias meu coração está descompassado. Ou talvez seja minha mente - pois não acho que seja realmente um sentimento e sim uma carência -  a guiar-me para outro caminho que parece ser o mais fácil e talvez o mais fútil. Tem alguém mexendo comigo e muito. Que atire a primeira pedra quem nunca duvidou do amor que sente por outrem ou que nunca tenha se sentido atraído por duas pessoas. Eu acredito que estou apenas procurando uma forma de fugir do que sinto. Ah!!! Já não sei mais nada. Se alguém conseguir entender o que acontece comigo me explique, pois eu já estou desistindo. A vida anda mais obscura e perigosa do que de costume.

Existir ou exit

O ser ou não ser da era cibernética/internética.

domingo, 2 de novembro de 2008

anjo torto

No primeiro dos sete céus, debruçado sobre o parapeito das nuvens, há um anjo. Ele observa a epopéia vivida na terra, com todas suas cenas e dramas.

Ver a vida assim, do alto, dá outra dimensão a tudo. É como se o real virasse ficção, e os personagens encarnassem papéis diversos, de autores diversos. Ali vai um rapaz inventado por Shakespeare, lá uma moça saída de um devaneio de Nelson Rodrigues, acolá uma inspiração do Veríssimo.

Estão tão ocupados com seus próprios papéis que não percebem sequer uns aos outros. Não veêm as interpretações bem feitas, os erros de script, os improvisos. Não reparam como as histórias se enlaçam umas às outras, como o caos do mundo real confunde romance com aventura, fantasia com comédia.

Lá de cima, todos parecem formigas, pequenas, agitadas, em sua rotina diária. E o anjo, que não é lá um desses de espada flamejante e auréola, mas um anjo torto, curioso, observa a tudo atentamente.

Ele goza de dons que os gregos invejariam. É capaz de ouvir pensamentos e ver sonhos adormecidos. Tem nas costas o arco do cupido, e na cinta doses de loucura e razão para distribuir pela própria vontade. Sabe atiçar os desejos humanos. A fome, a sede, a ambição, a cobiça, a lascívia. Seu passatempo predileto é bagunçar os pensamentos. Tornar as certezas incertas e o inusitado possível.

O mundo é um grande laboratório. Cada dia, dedos ágeis desencaixam peças desse gigantesco quebra-cabeças e reconfiguram tudo. Cada dia fios invisíveis se armam, como grandes teias preparadas para aprisionar estes pequenos insetos. 

E os olhos de todos - tão despreparados e cegos a esse outro mundo invisível, cegos ao anjo torto do parapeito, que gargalha feito criança às desgraças - enchem-se de razão para especular os porquês da vida.

Sem perceber que tudo ali é uma questão de reação. Tudo é questão de conquistar a simpatia do anjo. Que a vida depende das nossas atitudes com o mundo, para que ele nos responda, nos presenteie, nos acolha.

E tudo o que precisamos é atenção, compaixão, e gentileza.