sexta-feira, 30 de março de 2007

Carta anônima

Tenho trabalhado tanto, mas penso sempre em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assentada aos poucos e com mais força enquanto a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos. Tão transparentes que até parecem de vidro, vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece que vai ficar assim clack! e quebrar em cacos, o pensamento que penso de você. Se não dormisse cedo nem estivesse quase sempre cansado, acho que esses pensamentos quase doeriam e fariam clack! de madrugada e eu me veria catando cacos de vidro entre os lençóis. Brilham, na palma da minha mão. Num deles, tem uma borboleta de asa rasgada. Noutro, um barco confundido com a linha do horizonte, onde também tem uma ilha. Não, não: acho que a ilha mora num caquinho só dela. Noutro, um punhal de jade. Coisas assim, algumas ferem, mesmo essas que são bonitas. Parecem filme, livro, quadro. Não doem porque não ameaçam. Nada que eu penso de você ameaça. Durmo cedo, nunca quebra.
Daí penso coisas bobas quando, sentado na janela do ônibus, depois de trabalhar o dia inteiro, encosto a cabeça na vidraça, deixo a paisagem correr, e penso demais em você. Quando não encontro lugar para sentar, o que é mais freqüente, e me deixava irritado, descobri um jeito engraçado de, mesmo assim, continuar pensando em você. Me seguro naquela barra de ferro, olho através das janelas que, nessa posição, só deixam ver metade do corpo das pessoas pelas calçadas, e procuro nos pés daquelas aqueles que poderiam ser os seus. (A teus pés, lembro.). E fico tão embalado que chego a me curvar, certo que são mesmo os seus pés parados em alguma parada, alguma esquina. Nunca vejo você - seria, seriam?
Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você. Assim: de repente ao dobrar uma esquina dou de cara com você que me prega um susto de mentirinha como aqueles que as crianças pregam umas nas outras. Finjo que me assusto, você me abraça e vamos tomar um sorvete, suco de abacaxi com hortelã ou comer salada de frutas em qualquer lugar. Assim: estou pensando em você e o telefone toca e corta o meu pensamento e do outro lado do fio você me diz: estou pensando tanto em você. Digo eu também, mas não sei o que falamos em seguida porque ficamos meio encabulados, a gente tem muito pudor de parecer ridículos melosos piegas bregas românticos pueris banais. Mas no que eu penso, penso também que somos meio tudo isso, não tem jeito, é tudo que vamos dizendo, quando falamos no meu pensamento, é frágil como a voz de Olívia Byington cantando Villa-Lobos, mais perto de Mozart que de Wagner, mais Chagal que Van Gogh, mais Jarmush que Win Wenders, mais Cecília Meireles que Nelson Rodrigues.
Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático, e penso então tule nuvem castelo seda perfume brisa turquesa vime. E deito a cabeça no seu colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos, no umbigo do universo. Você toca minha mão, eu toco na sua.
Demora tanto que só depois de passarem três mil dias consigo olhar bem dentro dos seus olhos e é então feito mergulhar numas águas verdes tão cristalinas que têm algas na superfície ressaltadas contra a areia branca do fundo. Aqualouco, encontro pérolas. Sei que é meio idiota, mas gosto de pensar desse jeito, e se estou em pé no ônibus solto um pouco as mãos daquela barra de ferro para meu corpo balançar como se estivesse a bordo de um navio ou de você. Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão freqüente. Caminho mais devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente, mas penso tanto em você que na hora de dormir vezemquando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos. Mas depois sou eu quem dorme e sonha, sonho com os anjos. Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar. Clack! como se fosse verdade, um beijo.

Caio Fernando Abreu
O Estado de S. Paulo, 16/03/88
Pequenas Epifanias

quinta-feira, 29 de março de 2007

Perfil

coisas pra se escrever sobre nós mesmos*
(retirado de um perfil do orkut hoje cedo - de uma amiga - mas fazendo algum sentido - ou graça)

*algumas partes retiradas...

"confesso:
  • sou tímida (ok... sei que não parece, mas estou confessando, lembra?) ...
  • sou chorona... choro quando fico triste, quando fico alegre, quando fico brava...
  • sou romântica, embora eu teime em afirmar o contrário...
  • eu acredito no amor, sim e mais : espero o “grande amor” , mesmo que o chico sambe que é mentira e minha mãe diga que nunca vou encontrar porque “não me contento com nada”...
  • espero por uma linda declaração de amor, seguida de um pedido de casamento, como em um filme, mesmo que eu espalhe aos quatro ventos que nunca me casarei... e é claro que já desenhei meu vestido de noiva! :)
  • tenho medo de ficar sozinha pra sempre, mas contraditoriamente, sempre quero ficar sozinha...
  • acredito piamente no que as pessoas me falam e sempre acho que a viúva do milionário é inocente no assassinato dele, até que provem o contrário...
  • acho muito charmoso ter insônia mas durmo com a maior facilidade... :(
  • gostaria muito de ser escritora, ou pintora, ou fotógrafa, mas sou arquiteta...
  • quase sempre acho que escolhi a profissão errada... a exceção são os momentos em que tenho certeza disso!
  • tenho o vício “de insistir nessa saudade que eu sinto de tudo que eu ainda não vi”...
  • acho que sou muito criativa e talentosa, mas trabalho em um empreguinho normal, na frente do computador, 8 horas por dia...
  • tenho imagens mentais... exemplo: quando ouço Ritchie cantar “um abajur cor de carne...”, logo imagino um abajur cheio de bifes na cúpula...
  • tenho a constante sensação de que nasci na época errada...
  • sempre li muito, mas desde que mudei pra porto alegre não estou ledo nada... isso alimenta meu hábito de não terminar de ler meus livros e já comprar livros novos...
  • começo as coisas e não termino...
  • penso muita besteira e nem sempre meu filtro funciona, por isso, acabo falando mesmo...
  • falo sozinha...
  • tenho crises de loucura e saio pulando e cantando, não importa onde eu esteja..."

Sem querer tirar ela pra palhaça - afinal me identifiquei com muuuuuita coisa - , mas nada como rir e fazer rir apenas olhando pra nós mesmos.

terça-feira, 27 de março de 2007

...

"When the child was a child, it was the time of these questions. Why am I me, and why not you? Why am I here, and why not there? When did time begin, and where does space end? Isn't life under the sun just a dream? Isn't what I see, hear, and smell just the mirage of a world before the world? Does evil actually exist, and are there people who are really evil? How can it be that I, who am I, wasn't before I was, and that sometime I, the one I am, no longer will be the one I am?"

Damiel in Wim Wenders' Wings of Desire

sábado, 24 de março de 2007

O colecionador*

*de John Fowles, 1963 (Edição Grandes Sucessos - Editora Abril Cultural, 1980.)

Acabei há alguns minutos, aproveito a folga que o render me dá para transcrever alguns trechos aqui. Para quem não conhece a história, é difícil explicar, devido a complexa estrutura do texto. Confesso que esquanto lia a primeira parte do livro, achava-o fraco. Quando chegou a segunda parte - o diário de Miranda, de onde retirei todas estas passagens - fiquei surpreendido e envolvido pela narração). O livro conta a história de Frederick Clegg (um colecionador de borboletas), apagado funcionário público que se torna de repente dono de uma fortuna e passa a ter uma grande ambição: sequestrar e manter junto de si a bela Miranda, objeto de contemplativo e sôfrego amor platônico.

Recomendo o livro, vale muito a pena.

pag 164
"...
Eu sabia que fora uma história ridícula, mesmo de mal gosto.Calibã não respondeu, continuando a olhar para o chão.

"Agora é sua vez de contar uma história", disse-lhe eu.


Calibã disse apenas: "Gosto tanto de você..."


E não havia dúvida, tinha mais dignidade do que eu, e senti-me pequena, mesquinha. Estava sempre a odiá-lo, a provocá-lo, a troçar dele, e nunca procurei esconder meus sentimentos. Que estranho! Ficamos sentados um em frente do outro e senti algo como se estivesse muito próxima dele, algo, de resto, que já sentira antes - não se tratava de amor, atração ou simpatia, isso sabia eu. Algo como uma união de destinos. Como se estivessemos os dois abandonados numa ilha deserta, numa jangada - juntos. Não querendo estar juntos, mas juntos...


Sentia também, terrivelmente, a tristeza da sua vida. E a tristeza das vidas de sua miserável tia e prima, dos parentes da Austrália. O tremendo peso morto de uma tal família. Lembrei-me daqueles desenhos de Henry Moore das multidões amorfas nas plataformas subterrâneas do metrô durante os bombardeios em Londres. Pessoas que não viam, que não sentiam, que nunca tinham dançado, desenhado, chorado ao som da música, que não sabiam o que era sentir o mundo, o vento do oeste. Pessoas que, no verdadeiro sentido, não existiam.


Só aquelas palavras, ditas e sentidas: Gosto tanto de você...


Palavras sem esperança, que ele dissera, como poderia ter dito: tenho um câncer.


O seu conto de fadas.

..."

pág 190
"...
Tenho estado aqui sentada, pensando em Deus. Não creio que continue acreditando em Deus. Não se trata apenas de mim. Penso que todos os milhões de pessoas que estiveram prisioneiras durante a guerra devem ter sentido o mesmo. Todas as Anne franks. E durante toda a História. O que penso saber agora é que Deus não intervém. Deixa-nos sofrer. Quem reza pela liberdade, pode sentir certo alívio só pelo fato de rezar, ou porque acontece qualquer outra coisa que lhe traz a liberdade, que a traria de todas as maneiras. Mas Deus não nos pode ouvir. Não tem nada de humano, como seja, ouvir, ver, ajudar, ter piedade. É possível que Deus tenha criado o mundo, bem como as leis fundamentais da matéria ou da evolução. Planejou-o de forma a que certos indivíduos sejam felizes, outros tristes, alguns com sorte, outros não. Não sabe quem é triste e quem não o é, não sabe e não se preocupa. Assim, na realidade, não existe.

Estes últimos dias tenho-me sentido em Deus. Senti-me também mais lúcida, menos cega, mais sã. Continuo acreditando num Deus. Mas é tão remoto, tão frio, tão matemático. Compreendi que temos de viver como se Deus não existisse. Rezas, missas e hinos religiosos - tudo tão estúpido e inútil.

Estou tentando explicar porque decidi esquecer os meus princípios (sobre nunca cometer violências). Ainda acredito nesse princípio, porém, vejo que, por vezes, é preciso violá-lo para sobreviver. Não vale a pena confiar vagamente que a sorte, a Providência ou Deus sejam bons para conosco. Temos de agir e lutar para nos defendermos...


O céu está completamente vazio. Maravilhosamente puro e vazio.

Como se os arquitetos e os construtores pudessem viver em todas as casas que construíram! Ou pudessem viver nelas todas. É tudo tão óbvio... Deve haver um deus, mas não pode saber tudo a nosso respeito.


...


Calibã não é humano; é um espaço vazio disfarçado de humano.

..."


pág 192
"...
Aqui embaixo, as minhas disposições mudam muito depressa. Decido fazer uma coisa, proceder de uma maneira, e, na hora seguinte, mudo completamente.

Não vale a pena. Não sei odiar. É como se em mim houvesse uma pequena fábrica de boa vontade e generosidade produzindo todos os dias e tenho de expulsar uma boa dose do produto cá pra fora. Se conservasse tudo dentro de mim, então explodiria, com certeza!
..."

pág 198
"...
Quanto medo tinha eu de morrer naqueles primeiros dias! Não quero morrer, porque estou sempre pensando no futuro. Sinto-me desesperadamente curiosa quanto ao que o futuro me trará. Que me acontecerá? Como me desenvolverei? Que serei eu dentro de cinco anos? De dez? De trinta anos? Gostaria de saber quem será o meu marido, em que lugar viverei, que países virei a conhecer. Filhos... Não se trata apenas de uma curiosidade egoísta. Esta é a pior época possível para se morrer. Viagens espaciais, a ciência, o mundo desperto e ampliando-se. É o começo de uma nova era. Sei que é perigosa. Mas é maravilhoso estar-se vivo dentro dela.

Amo, adoro a minha era.

Não paro de pensar, hoje... Um dos meus pensamentos foi: os homens que nada criam, quando tem a possibilidade de criar, podem ser considerados homens maus.

O próximo pensamento foi: matá-lo seria como destruir tudo aquilo em que acredito. Muitas pessoas diriam que eu fizera bem, que o fato de ter ido contra os meus princípios não tinha grande importância. Mas todo o mal do mundo é feito por ações e atitudes que, de início, pouca ou nenhuma importância tiveram. É ridículo falar da falta de importância de certas ações. As pequenas ações e o oceano são coisas iguais.
..."

pág 212
"...
Um pensamento estranho: eu não desejaria que isto não tivesse acontecido. Porque, se fugir, serei uma pessoa completamente diferente e, creio, muito melhor. E, se não conseguir fugir, se acontecer alguma coisa de horrível, saberei do mesmo modo que a pessoa que eu era e que teria continuado a ser, se isso não tivesse sucedido, não seria realmente a pessoa que agora desejo ser.
..."

terça-feira, 20 de março de 2007

Malaquias no Jardim*

*poema copiado as pressas, do ônibus.

A palavra de cabelo em pé
das tuas estrofes
entrelaçadas de flores
é o doce mais doce.
Um anjo de Trebizonda
lambe a asa no quintal da poesia.
Então despertamos de tudo
- inclusive do amor,
o beijo no espelho
A vida, quieta e apertadinha concha
A alma, colcha de retalhos
onde despertar estrelas
e conhecer o canto de Aldebarã.

Mario Pirata

terça-feira, 13 de março de 2007

Curiosidade

Sumiço repentino, viradas e guinadas, faculdade nova, novas amizades, novas experiências.
O curioso? Como a gente pode conhecer pessoas de um dia pro outro e ter a sensação de que as conhece de muito mais tempo?

sábado, 3 de março de 2007

Marketing Pessoal

A notícia é velha, mas achei que tinha perdido o link.
Nada como sair no jornal...

pra quem quer economizar o link: é uma matéria sobre os formandos da UCS (Universidade de Caxias do Sul), e duas das imagens selecionadas pra ir pro jornal são minhas (lá da Radar):



Midiateca Municipal de Caxias do Sul (acima), projeto de Viviane Rech; Sede de Projeto Ambiental (abaixo), projeto de Eduardo Scain.