terça-feira, 18 de outubro de 2005

felicidade

Há tempos eu queria falar sobre a estranha necessidade que o mundo moderno impõe às pessoas de que sejam felizes e bem sucedidas sempre.

Há algumas semanas eu mesmo estava sofrendo uma crise (e talvez ainda não tenha me recuperado por completo) depressiva por causa disso.
Me sentia um fracassado por ainda não ter resultados palpáveis de todas as coisas que investi tanto ao longos desses meus últimos anos de vida, principalmente no campo financeiro e profissional, e isso - além de desmotivar - piorava as perspectivas pro futuro.

Mas superei.
Tive o incrível raciocínio (ou talvez o entendimento de um ditado que anda solto por ai) de que não tinha essa necessidade de ser feliz "all the time", que precisava escolher algumas prioridades e metas pra minha vida e, principalmente, que devia esquecer o resto de exigências do mundo e não dar mais bola.

É interessante ser (ou ter momentos) infeliz(es).
Faz parte do contraste, é o simples fato de que é preciso ter a infelicidade pr se saber medir a felicidade.

Mas enfim, sem mais delongas, vou publicar aqui uma entevista com o Roberto Shinyashiki feita pela Isto É (e encaminhada pro meu e-mail pelo Iuri), sobre seu livro Heróis de verdade, onde "o escritor combate a supervalorização da aparência e diz que falta ao Brasil competência, e não auto-estima", por falar, mais ou menos, tudo que eu queria dizer.

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por Camilo Vannuchi

Observador contumaz das manias humanas, Roberto Shinyashiki está cansado dos
jogos de aparência que tomaram conta das corporações e das famílias. Nas
entrevistas de emprego, por exemplo, os candidatos repetem o que imaginam
que deve ser dito. Num teatro constante, são todos felizes, motivados,
corretos, embora muitas vezes pequem na competência. Dizem-se
perfeccionistas: ninguém comete falhas, ninguém erra. Como Álvaro de Campos
(heterônimo de Fernando Pessoa) em Poema em linha reta, o psiquiatra não
compartilha da síndrome de super-heróis. "Nunca conheci quem tivesse levado
porrada na vida (...) Toda a gente que eu conheço e que fala comigo nunca
teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão príncipe",
dizem os versos que o inspiraram a escrever Heróis de verdade (Editora
Gente, 168 págs., R$ 25). Farto de semideuses, Roberto Shinyashiki faz soar
seu alerta por uma mudança de atitude. "O mundo precisa de pessoas mais
simples e verdadeiras."

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Quem são os heróis de verdade?
Nossa sociedade ensina que, para ser uma pessoa de
sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter carro importado,
viajar de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas deram certo.
Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares de
funcionários que não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são tratadas
como uma multidão de fracassados. Quando olha para a própria vida, a maioria
se convence de que não valeu a pena porque não conseguiu ter o carro nem a
casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da moça que trabalha na
minha casa possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa de pessoas mais simples
e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que trabalham para realizar
seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que
sabem pedir desculpas e admitir que erraram.

O sr. citaria exemplos?
Dona Zilda Arns, que não vai a determinados programas de tevê
nem aparece de Cartier, mas está salvando milhões de pessoas. Quando eu
nasci, minha mãe era empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete anos,
empregado em uma farmácia. Morávamos em um bairro miserável em São Vicente
(SP) chamado Vila Margarida. Eles são meus heróis. Conseguiram criar seus
quatro filhos, que hoje estão bem. Acho lindo quando o Cafu põe uma camisa
em que está escrito "100% Jardim Irene". É pena que a maior parte das
pessoas esconda suas raízes. O resultado é um mundo vítima da depressão,
doença que acomete hoje 10% da população americana. Em países como Japão,
Suécia e Noruega, há mais suicídio do que homicídio. Por que tanta gente se
mata? Parte da culpa está na depressão das aparências, que acomete a mulher
que, embora não ame mais o marido, mantém o casamento, ou o homem que passa
décadas em um emprego que não o faz se sentir realizado, mas o faz se sentir
seguro.

Qual o resultado disso?
Paranóia e depressão cada vez mais precoces. O pai quer
preparar o filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês,
informática e mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão aparece. A única
coisa que prepara uma criança para o futuro é ela poder ser criança. Com a
desculpa de prepará-los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando a
infância dos filhos. Essas crianças serão adultos inseguros e terão
discursos hipócritas. Aliás, a hipocrisia já predomina no mundo corporativo.

Por quê?
O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar
pelo processo de recrutamento. É contratado o sujeito com mais marketing
pessoal. As corporações valorizam mais a auto-estima do que a competência.
Sou presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça que respondia todas
as minhas perguntas com uma ou duas palavras. Disse que ela não parecia
demonstrar interesse. Ela me respondeu estar muito interessada, mas, como
falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho dela, e não a conversa. Até
porque ela era candidata a um emprego na contabilidade, e não de relações
públicas. Contratei na hora. Num processo clássico de seleção, ela não
passaria da primeira etapa.

Há um script estabelecido?
Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um presidente de
multinacional no programa O aprendiz? "Qual é seu defeito?" Todos respondem
que o defeito é não pensar na vida pessoal: "Eu mergulho de cabeça na
empresa. Preciso aprender a relaxar." É exatamente o que o chefe quer
escutar. Por que você acha que nunca alguém respondeu ser desorganizado ou
esquecido? É contratado quem é bom em conversar, em fingir. Da mesma forma,
na maioria das vezes, são promovidos aqueles que fazem o jogo do poder. O
vice-presidente de uma das maiores empresas do planeta me disse: "Sabe,
Roberto, ninguém chega à vice-presidência sem mentir." Isso significa que
quem fala a verdade não chega a diretor?

Temos um modelo de gestão que premia pessoas mal preparadas?
Ele cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade de se
preparar, que não têm capacidade de ler um livro até o fim e não se
preocupam com o conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação, mas o
maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros motivados. Há
muita gente motivada fazendo besteira. Não adianta você assumir uma função
para a qual não está preparado. Fui cirurgião e me orgulho de nunca um
paciente ter morrido na minha mão. Mas tenho a humildade de reconhecer que
isso nunca aconteceu graças a meus chefes, que foram sábios em não me dar um
caso para o qual eu não estava preparado. Hoje, o garoto sai da faculdade
achando que sabe fazer uma neurocirurgia. O Brasil se tornou incompetente e
não acordou para isso.

Está sobrando auto-estima?
Falta às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu preciso que
os outros digam que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o ter
conseguia substituir o ser. O cara mal-educado dava uma gorjeta alta para
conquistar o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas não conseguem nem ser
nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer. As pessoas parece que sabem,
parece que fazem, parece que acreditam. E poucos são humildes para confessar
que não sabem. Há muitas mulheres solitárias no Brasil que preferem dizer
que é melhor assim. Embora a auto-estima esteja baixa, fazem pose de que
está tudo bem.

Por que nos deixamos levar por essa necessidade de sermos perfeitos
em tudo e de valorizar a aparência?
Isso vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando
os heróis. Quem vai salvar o Brasil? O Lula. Quem vai salvar o time? O
técnico. Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta. O problema é que eles
não vão salvar nada! Tive um professor de filosofia que dizia: "Quando você
quiser entender a essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth com uma
crise de diarréia durante um jantar no Palácio de Buckingham." Pode parecer
incrível, mas a rainha Elizabeth também tem diarréia. Ela certamente já teve
dor de dente, já chorou de tristeza, já fez coisas que não deram certo. A
gente tem de parar de procurar super-heróis. Porque se o super-herói não
segura a onda, todo mundo o considera um fracassado.

O conceito muda quando a expectativa não se comprova?
Exatamente. A gente não é super-herói nem superfracassado. A
gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada de
errado nisso. Hoje, as pessoas estão questionando o Lula em parte porque
acreditavam que ele fosse mudar suas vidas e se decepcionaram. A crise será
positiva se elas entenderem que a responsabilidade pela própria vida é
delas.

É comum colocar a culpa nos outros?
Sim. Há uma tendência a reclamar, dar desculpas e acusar
alguém. Eu vejo as pessoas escondendo suas humanidades. Todas as empresas
definem uma meta de crescimento no começo do ano. O presidente estabelece
que a meta é crescer 15%, mas, se perguntar a ele em que está baseada essa
expectativa, ele não vai saber responder. Ele estabelece um valor
aleatoriamente, os diretores fingem que é factível e os vendedores já partem
do princípio de que a meta não será cumprida e passam a buscar explicações
para, no final do ano, justificar. A maioria das metas estabelecidas no
Brasil não leva em conta a evolução do setor. É uma chutação total.

Muitas pessoas acham que é fácil para o Roberto Shinyashiki dizer
essas coisas, já que ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?

Tenho minhas angústias e inseguranças. Mas aceitá-las faz
minha vida fluir facilmente. Há várias coisas que eu queria e não consegui.
Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles (risos). Meu filho mais velho
nasceu com uma doença cerebral e hoje tem 25 anos. Com uma criança especial,
eu aprendi que ou eu a amo do jeito que ela é ou vou massacrá-la o resto da
vida para ser o filho que eu gostaria que fosse. Quando olho para trás, vejo
que 60% das coisas que fiz deram certo. O resto foram apostas e erros. Dia
desses apostei na edição de um livro que não deu certo. Um amigão me
perguntou: "Quem decidiu publicar esse livro?" Eu respondi que tinha sido
eu. O erro foi meu. Não preciso mentir.

Como as pessoas podem se livrar dessa tirania da aparência?
O primeiro passo é pensar nas coisas que fazem as pessoas
cederem a essa tirania e tentar evitá-las. São três fraquezas. A primeira é
precisar de aplauso, a segunda é precisar se sentir amada e a terceira é
buscar segurança. Os Beatles foram recusados por gravadoras e nem por isso
desistiram. Hoje, o erro das escolas de música é definir o estilo do aluno.
Elas ensinam a tocar como o Steve Vai, o B. B. King ou o Keith Richards. Os
MBAs têm o mesmo problema: ensinam os alunos a serem covers do Bill Gates. O
que as escolas deveriam fazer é ajudar o aluno a desenvolver suas próprias
potencialidades.

"O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta.
É contratado o sujeito com mais marketing pessoal"

Muitas pessoas têm buscado sonhos que não são seus?
A sociedade quer definir o que é certo. São quatro loucuras da
sociedade. A primeira é instituir que todos têm de ter sucesso, como se ele
não tivesse significados individuais. A segunda loucura é: "Você tem de
estar feliz todos os dias." A terceira é: "Você tem que comprar tudo o que
puder." O resultado é esse consumismo absurdo. Por fim, a quarta loucura:
"Você tem de fazer as coisas do jeito certo." Jeito certo não existe. Não há
um caminho único para se fazer as coisas. As metas são interessantes para o
sucesso, mas não para a felicidade. Felicidade não é uma meta, mas um estado
de espírito. Tem gente que diz que não será feliz enquanto não casar,
enquanto outros se dizem infelizes justamente por causa do casamento. Você
precisa ser feliz tomando sorvete, levando os filhos para brincar.

O sr. visita mestres na Índia com freqüência. Há alguma parábola que
o sr. aprendeu com eles que o ajude a agir?

Quando era recém-formado em São Paulo, trabalhei em um
hospital de pacientes terminais. Todos os dias morriam nove ou dez
pacientes. Eu sempre procurei conversar com eles na hora da morte. A maior
parte pega o médico pela camisa e diz: "Doutor, não me deixe morrer. Eu me
sacrifiquei a vida inteira, agora eu quero ser feliz." Eu sentia uma dor
enorme por não poder fazer nada. Ali eu aprendi que a felicidade é feita de
coisas pequenas. Ninguém na hora da morte diz se arrepender por não ter
aplicado o dinheiro em imóveis. Uma história que aprendi na Índia me ensinou
muito. O sujeito fugia de um urso e caiu em um barranco. Conseguiu se
pendurar em algumas raízes. O urso tentava pegá-lo. Embaixo, onças pulavam
para agarrar seu pé. No maior sufoco, o sujeito olha para o lado e vê um
arbusto com um morango. Ele pega o morango, admira sua beleza e o saboreia.
Cada vez mais nós temos ursos e onças à nossa volta. Mas é preciso comer os
morangos

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