terça-feira, 11 de outubro de 2005

Labirintos

por Luís Fernando Veríssimo

O que é um labirinto?
Um labirinto é o caminho mais rápido entre o ponto A e o ponto B para quem queria ir para o ponto C.
Como se constrói um labirinto?
De preferência, de dentro para fora.
Quem inventou o labirinto?
Não se sabe o seu nome. O conceito de corredor não existia na arquitetura antiga. Nas habitações e nos prédios públicos uma peça dava na outra, ou todas se juntavam e davam num átrio central. Foi então que, numa remota região da Mesopotâmia, um arquiteto inventou o corredor. Mas como não tinha o conceito de peças, fazia casas só de corredores que se cruzavam e recruzavam, nas quais as pessoas entravam e nunca mais saíam, e que certamente estão nas origens do labirinto moderno. Impossibilitadas de ter qualquer contato social, ou mesmo de buscar mantimentos, as famílias que ocupavam estas casas acabaram extintas, levando com elas para o esquecimento o nome do arquiteto.
Como começou a mania dos nobres ingleses de terem um labirinto na sua propriedade rural?
Lord Auberon Bores-Easily, a quem se atribui a invenção do muxoxo, perdeu a paciência com a placidez e a previsibilidade das suas terras em Sussex e, reunindo engenheiros e jardineiros num trecho do seu gramado, decretou: "Quero uma complicação aqui". O próprio lorde desapareceu durante uma inspeção das obras e nunca mais foi visto.
Para que serve um labirinto?
Para você matar o tempo, e vice-versa. Para você exercer plenamente o seu direito de ir e vir, ir e vir, ir e vir. Para você saber o que é mudar de orientação, voltar atrás, rever posições, escolher novos caminhos, repetir os mesmos erros e perder a compostura sem precisar entrar na política. Para você passear com aquela pessoa especial com quem decidiu que quer passar o resto da sua vida. Para cronistas que precisam fazer muito material adiantado poderem escrever sobre um assunto sem qualquer atualidade ou utilidade, mas com várias partes. Para nada.
Como entrar num labirinto?
Pela entrada. Mas cuidado, pode ser a saída disfarçada.
Como reconhecer a saída de um labirinto do lado de fora?
Se não tiver ninguém saindo, é a saída.
Como sair de um labirinto?
Depende. Onde você está?
Num corredor estreito com paredes altas e brancas de cada lado.
Algum grafito nas paredes?
Tem. "Mané esteve aqui." Depois, "Mané esteve aqui de novo." Depois, "Meu Deus é a terceira vez que eu passo por aqui." Assinado... a lata de spray está na mão de uma caveira!
É o Mané... Algum outro grafito?
Sim. "Penso que estive aqui". Assinado Jorge Luiz Borges.
Finja que não viu esse.
Como é que eu saio deste labirinto?!
Calma. Na verdade, a sua situação é invejável. Você tem sempre só duas escolhas, o que raramente acontece com quem não está num labirinto. Você só pode ir para um lado ou para o outro. Sempre tem cinqüenta por cento de chance de fazer a escolha certa.
Não existe nenhuma maneira cem por cento certa de me livrar deste labirinto?
Existe, mas você devia ter tomado uma providência antes de entrar.
Qual?
Não entrar.
Espere! Acabo de encontrar uma planta do labirinto na parede com uma seta apontando um lugar!
O que diz a seta?
"Você não está aqui"...
Típico humor de labirinto. Se enxergar uma porta com os dizeres "Saída de Emergência", não entre.
Por quê?
É um cemitério.
Atenção! Encontrei uma caixa presa na parede com os dizeres "Se você está perdido, quebre o vidro". Estou quebrando o vidro!
O que tem dentro da caixa?
Calmante.
Talvez o exemplo de outras pessoas que tiveram experiências em labirintos me ajude a sair deste.
Bem, existem algumas parábolas. Como a do Esbanjador, do Avaro e da galinha.
Como é?
O Esbanjador entrou no labirinto e, para não perder o caminho de volta, foi deixando moedas de ouro atrás de si. Depois era só ir catando as moedas do chão que voltaria à liberdade. O Esbanjador chegou no centro do labirinto, examinou tudo, e estava se preparando para voltar quando deu de cara com o Avaro, que chegava botando a última moeda de ouro na algibeira. O Avaro tinha passado pela entrada do labirinto, visto as moedas enfileiradas, e não resistira. Saíra a catá-las, labirinto adentro. "Seu imbecil!", gritou o Esbanjador. "E agora, como vamos encontrar o caminho de volta?". "Sou avaro mas não sou burro", disse o Avaro. "No lugar de cada moeda, deixei um grão de milho. É só ir catando os grãos de milho do chão que voltaremos à liberdade."
E aí?
Aí entrou a galinha. Ela tinha passado pela entrada do labirinto, visto os grãos de milho enfileirados, e...
Não sei como essa parábola pode me ajudar a sair daqui.
É o problema com as parábolas. Elas dão lições valiosas, mas de uma forma que ninguém entende. Acho que esta tem a ver com os diferentes tipos de compulsão, e a perdição a que nos levam. A galinha tinha a compulsão de viver, o Avaro a de juntar dinheiro, e o Esbanjador a pior compulsão de todas.
A de esbanjar?
A de entrar em labirintos.”

.:*:.

É, a mente desse escritor é um labirinto de idéias e palavras.
Adorei a crônica.
Retirada de "o suicida e o computador"
Gentilmente emprestado pela Mariana para esse que vos tecla.

Ótimo feriado!

Nenhum comentário: