* por MÁRCIO SENNE DE MORAES
"O Senhor das Moscas", o primeiro romance do britânico William Golding (1911-1993), publicado em 1954, é uma extraordinária investigação sobre a natureza humana. Ele descreve detalhadamente os aterrorizantes feitos de um grupo de crianças que, abandonado à sua própria sorte numa ilha, faz uma fulminante transição da civilização à barbárie.
O livro, considerado um clássico da literatura moderna, expõe uma visão pessimista do ser humano. Ele busca mostrar que o homem é inseparavelmente ligado à sociedade e que, sem ela, o retorno à selvageria, ao estado de natureza hobbesiano, é um passo incontornável no destino da humanidade.
O pessimismo do autor e sua descrença na natureza humana tiveram origem em suas experiências pessoais. Após publicar uma coletânea de poemas em 1934, Golding, que estudara na Universidade de Oxford, alistou-se na Marinha Britânica em 1940 e, em seguida, conheceu os horrores da Segunda Guerra Mundial.
A guerra, segundo o próprio escritor, mudou bastante seu modo de ver o mundo e a vida. Depois do conflito, Golding não conseguia mais acreditar na inocência do homem. Para ele, nem mesmo as crianças são inocentes, e a inocência só se manifesta no ser humano quando a sociedade e o cotidiano social o compelem a fingir ser inocente. Ou seja, trata-se de algo planejado ou estudado para atender às exigências sociais.
Contudo, às vezes, quando se vê diante de uma situação complexa (a necessidade de sobreviver num ambiente inóspito no caso de "O Senhor das Moscas"), o homem deixa transparecer sua outra natureza, uma repleta de mistérios e de culpa. Assim, diferentemente do "bom selvagem" de Rousseau, o homem no estado de natureza é, para Golding (a exemplo do que pensavam Hobbes ou Locke), movido por seus instintos mais sombrios, buscando vantagens pessoais, não o bem do microcosmo em que está inserido.
Para demonstrar como tudo isso, na prática, afeta um grupo de crianças perdidas numa ilha, o autor faz uso de símbolos e de imagens. Com isso, dois dos protagonistas, Ralph e Jack, são personagens totalmente antagônicos. O primeiro representa o desejo de viver num sistema democrático, baseado na ordem. Já o segundo encarna a selvageria e a anarquia.
Outro artifício usado por Golding, que recebeu o Nobel em 1983, é o formato da ilha. Ela tem a forma de uma embarcação, um antigo símbolo de civilização. Ademais, a água em volta da ilha parece correr para trás, dando a sutil impressão de que a civilização esteja regredindo na ilha, levando consigo seus habitantes.
Vale lembrar que a tarefa do grupo de crianças é hercúlea: sobreviver num local hostil sem grande esperança de um resgate por parte "dos adultos". Magistralmente, Golding descreve como a veleidade de construir um ambiente coeso rui com o passar do tempo, conforme as crianças vão se libertando das amarras da civilização.
Assim, para o autor, a sociedade constitui o elo que propicia certa coesão, e suas amarras são uma condição "sine qua non" para a vida em grupo. Afinal, sem elas, ideais, valores e até a diferença básica entre o certo e o errado acabam desaparecendo. Sem limites claros e bem estabelecidos, a anarquia e a barbárie triunfam.
Ademais, na fantástica narrativa de Golding, a moral individual advém do meio em que os personagens estão inseridos: se não há civilização em torno do ser humano, ele sucumbe ao que há de mais obscuro dentro dele, deixando de lado seus valores "mais profundos". Leitura imperdível para os céticos, para aqueles que ainda não perderam a esperança no futuro da humanidade e, sobretudo, para todos os que se encontram entre os dois extremos.
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Ok, é uma resenha sensacionalista, mas ainda assim deu vontade de ler o livro.
Curioso...
Um comentário:
Gostei muito do seu blog. E vi que temos Hilda Hilst e o Caio em comum!
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